quarta-feira, maio 30, 2007

Carisma e Narcisismo

Max Weber entendia carisma em algumas formas bem distintas, indo de “dom” e “graça”, até o exercício do poder e da dominação que podem deter uma pessoa ou um objeto.

Para weber, a autoridade de um líder religioso não se baseia em sua função legalmente constituída, nem na tradição religiosa que está por trás dele, e sim em um dom, uma capacidade especial que ele possui para liderar.

Segundo o autor , aqueles que reconhecem e aceitam o carisma de algum líder são impelidos a seguirem-no. Isso é bem claro e comum em nossos dias. Existem no meio evangélico diversos líderes carismáticos que possuem um vasto e crescente número de seguidores e simpatizantes. São verdadeiros mestres na arte de persuadir massas.

É interessante observar que muitos desses líderes são arrogantes e autoritários, detentores de verdadeiros impérios da religião, no entanto, têm fiéis adeptos de seus ensinos, sendo amados e respeitados por aqueles que o seguem.

O autor levanta a questão de que o carisma é mantido pelo cumprimento da missão (não no sentido missiológico); ou seja, Aqueles que seguem um líder carismático têm como estímulo à sua fidelidade, um suposto sucesso do líder ou do seguimento religioso ao qual aderem.

No âmbito protestante, esse crédito independe de quantas críticas o líder recebe e de quão duvidosos são seus ensinos. O mais importante é sua habilidade em conduzir a massa e como tal líder conduz seus ouvintes a crerem em seu discurso.

Outra importante característica dos líderes carismáticos é seu domínio sobre seus seguidores. Suas regras são claras e devem ser obedecidas incondicionalmente. Seja uma ordem para fechar os olhos e levantar as mãos, numa reunião de louvor; ou até mesmo ordens de suicídio em massa, o que já não é tão incomum em algumas seitas. O fato é que tal líder só é líder enquanto conseguir manter seu discurso nas práticas de seus adeptos. Se ele perde isso, então ele deixa de ter a credibilidade daqueles que o seguem.

Para manter tal status, esses líderes prezam por uma homogeneidade de discurso em seus impérios religiosos. Isso é bem claro nas grandes denominações neo-pentecostais. Por exemplo: Uma igreja Universal do Reino de Deus em Londrina tem as mesmas práticas e o mesmo discurso de uma Universal em Salvador. Existe uma centralidade em um líder maior que mantém seus liderados inseridos em seu estilo de ser ou de agir.

Esse líder, normalmente é visto como alguém especial e distinto dos outros. Reconhece-se nele uma santidade singular, que o faz mais respeitado e venerado que os demais líderes do grupo, que são vistos apenas como( também) seguidores.

O Campo Ideal Para os Líderes Carismáticos

Aqui, analisarei os paradigmas pós-modernos da religiosidade latino-americana, bem como sua contribuição para o surgimento de novos líderes carismáticos. Tomarei como referencial para essa breve análise o artigo Igreja e Pós-modernidade do coreano In Sik Hong, membro ativo da Fraternidade Teológica Latino-Americana.

Nesse artigo, ele faz algumas importantes considerações sobre a espiritualidade do mundo pós-moderno, analisando suas implicações sociais, psicológicas, antropológicas e teológicas.

Hong nos chama à atenção para a subjetividade da fé contemporânea. Segundo ele, estamos vivendo em um tempo em que o valor da experiência tenta sobrepor os valores da tradição e da doutrina. Existe hoje um retorno ao “Sagrado” que vem acompanhado de inúmeras formas de “irracionalidade”. Porém, esse retorno não significa necessariamente um avivamento, ou revigoramento do cristianismo em si. Pelo contrário, muitas das práticas religiosas nascidas nesse tempo são de duvidosa autenticidade e de acentuada incoerência com a Bíblia.

Segundo Hong, a espiritualidade pós-moderna é predominantemente emocional, e sua autenticidade está na experiência. Assim ele define essa característica:

(...)se muestra desconfianza ante lo dogmático y doctrinal: la única regulación admisible que mantiene la intensidad emocional em el seno del grupo es la experiência espiritual de los participantes(...)[1]

Outra característica do homem e da mulher pós-modernos é o hedonismo. A busca pelo prazer e a satisfação pessoal têm sido um dos grandes paradigmas atuais. A realização como pessoa, como profissional, como líder, como cônjuge, tem estado muito acima de valores de bem comum. O individualismo da nossa época impede que o ser humano vise o bem do mundo como um todo, para se dedicar a causas próprias que têm como fim último o seu crescimento e desenvolvimento pessoal. Assim, Hong explica:

El ser humano posmoderno no tiene centro ni objetivo absoluto. No es religioso ni ateo, sino que há construido una forma particular de espiritualidad según su perspectiva. Todo lo que le interesa es “pasarla bien”; a partir de la pérdida de confianza em los proyectos de transformación de la sociedad, solo concentra todas sus fuerzas en la realización personal.[2]

Assim, podemos entender que o contínuo surgimento de líderes carismáticos com características pejorativas e prejudiciais à igreja se dá devido à “fertilidade” do tempo presente, que é “regado” por valores pós-modernos de subjetividade, individualidade e hedonismo. Assim, posso entender que não são os líderes carismáticos que constroem seus seguidores e sim, seus seguidores criam com suas necessidades pessoais o cenário ideal para a manifestação de tais líderes.



[1] In Sik HONG, Edgardo MOFFATT. Et ali. Etica y religiosidad en tiempos posmodernos. pp. 10-11.

[2] Ibid, pp. 20.